quinta-feira, 27 de abril de 2017

NOTA 10! E DAÍ?

O fim de ano vem chegando e, na escola, sempre vem aquele problema. Já não há mais o que fazer, muitos alunos já têm uma ideia segura dos seus resultados, uns sabem que passaram, outros sabem que não, as principais avaliações já foram feitas... não há muita motivação para ira a escola, se vai apenas para “cumprir tabela”, realmente.
Num desses dias, como havia poucos alunos, numa turma de sétimo ano em que eu estava, decidi aproveitar o momento para fazer algo diferente, então propus uma conversa. Falaríamos sobre o que acharam do ano, o que pensam fazer no futuro, esse tipo de coisa... uns toparam a ideia, participavam bem, outros, só perguntavam se podiam ir para casa. E, assim, levamos até o final.
Lá pelas tantas, questionei sobre o que achavam das minhas aulas, se aprenderam algo importante. Um deles, disse que achava Geografia importante para saber onde ficam os lugares, os países, etc. Então, perguntei a ele, de que servia saber onde ficam os países?
 – Ah, sôr, se a gente quiser ir viajar, ir viver em outro país...
Nesse momento, pensei sobre quão inútil era eu e aquele meu trabalho... pois, a conclusão que o menino havia chegado era de que ele só aproveitaria um ano inteiro de aula de Geografia, se ele fosse viajar. Quantos alunos meus viajarão para outro país? Que aula mas inútil... Anotei aquele problema para tentar me reinventar no futuro, precisava fazer aulas mais úteis, meu papel não é o de um agente de turismo. Porém, aquele questionamento havia mexido com outra aluna. E então, quando ela falou, o meu sentimento de que meu trabalho não servia para nada, apenas se confirmou. As palavras dela foram sinceras, e duras, me senti rebaixado ao nível de uma formiga.
A menina falou, de uma maneira natural, sobre como o que ela aprendeu até aquele momento na escola, não havia lhe sido útil de forma alguma. Segundo ela, em nenhuma entrevista de emprego perguntam sobre nada do que se ensina numa sala de aula. Entrevistador nenhum quer saber dessas coisas que se aprende em Língua Portuguesa, Matemática, Ciências e, principalmente, em Geografia. Procurei questioná-la, mas não tentei defender o contrário. Pensei que, se até aquela altura do campeonato, a escola ainda não havia convencido aquela menina da sua importância, então não tinha muito o que eu fazer naquele momento.
Mas, como que para colocar aquela cereja no bolo da discussão, outra aluna comenta, com muita tranquilidade, sobre como seu irmão mais velho abandonou a escola para traficar drogas. E, depois que já havia adquirido algumas propriedades, imóveis, etc. decidiu que, então, já era hora de largar essa atividade, um tanto perigosa, e viver dos aluguéis de suas casas. Alguns colegas se impressionaram, outros criticaram... Mas, no fim, o irmão dela era apenas um homem de negócios, não? Talvez as aulas de Matemática tenham o ajudado, quem sabe, mas Geografia, acho que não. 

O que aprendemos com tudo isso? Com essas opiniões dos alunos? Acho que muito, mas só se estivermos dispostos a rever nossos papeis.

quarta-feira, 19 de abril de 2017

MISTÉRIOS DA SALA DE AULA

Existem algumas coisas engraçadas sobre os alunos, essas coisas possuem uma lógica muito particular, apenas entendida por eles. Já fui um aluno, já estive sentado no lugar em que eles estão agora. Mas confesso, não sei se pelo fato de ser há muito tempo, não entender mais muitas dessas coisas, se é que, algum dia, entendi.
Por exemplo, a questão de jogar bolinha de papel no lixo. O guri passa a aula inteira em pé, andando pela sala, incomoda um, puxa o cabelo daquela, toma o celular de outro. Faz uma verdadeira excursão por todos os pontos da sala de aula. Mas, se for para jogar papel no lixo, ele não irá caminhar até lixeira, ele sempre se senta na classe dele, que é, geralmente, bem longe, e tenta acertar a lata de lixo. De onde vem essa preguiça repentina? Gostaria de saber.
Outro momento muito curioso é quando você tenta expor um assunto verbalmente, ou seja, uma aula expositiva. Você, então, quer explicar algo antes de passar a tarefa, para ajuda-los a realiza-la, e isso, infelizmente, se torna algo impossível. Os alunos conversam entre si, em voz alta, ouvem música no celular, se levantam. Você acaba brigando com todos, dá um sermão sobre escutar o próximo e etc, etc. E isso não adianta porra nenhuma. Então, você se cansa, já se desgastou demais tentando falar e se vira para o quadro para passar a tarefa, sem explicação mesmo, azar. Nesse momento, todos se calam e começam a copiar. De repente, a sala fica em silêncio. E me pergunto, por que não dá pra acontecer o contrário, deixarem para conversar depois da explicação? Outro mistério insolúvel.
Por fim, a última lógica difícil de entender para mim é a daquele aluno que faz absolutamente tudo o que ele quer na sala de aula, ouve música, joga videogame, anda pela sala, joga pião, bate figurinhas, etc. não se importa um ovo com você, tá se lixando se você está na sala ou não. De repente, ele chega perto de você e diz: “Sôr, dá pra ir no banheiro”? E me pergunto, por que minha autoridade só serve para deixar ir ao banheiro? Não tenho poder sobre mais nada na aula, exceto o salvo conduto até o banheiro.

Quem sabe alguém possa me auxiliar a desvendar esses mistérios, até agora não consegui.  

quarta-feira, 5 de abril de 2017

TÊNIS NOVOS

A noite tinha sido agitada na comunidade, os alunos relataram ouvir o som de tiros, foram muitos. Me lembro da fala de uma aluna quando chegou na sala de aula: “É foda, véio! Tu tá saindo de casa pra ir pro colégio, e tem um corpo morto atirado bem na tua esquina”! Eu nem imagino o que deve ser isso. Não passei por nada parecido quando cursava o antigo 1° grau. O máximo que vi foi alguma galinha morta na esquina da escola, recheada com pipoca. Nunca uma pessoa.
Os alunos lidam de formas diferentes com essa situação, assim como essa aluna pareceu impressionada e indignada com esse fato, outros já se importam bem menos. É o caso do Daniel, onze anos de idade, um metro e vinte de altura, mas se comportava como um adulto. É estranho de ver, difícil de explicar, tu tens que ver para entender, quaisquer palavras que eu use aqui não servirão para descrevê-lo. Mas, não tem outro jeito, tenho que tentar.
O olhar dele já não era o de uma criança há muito tempo, sabe, tinha aquela “maldade”, aquela “esperteza que só tem quem tá cansado de apanhar”, como diz a música dos Paralamas. E a maneira de falar, então... sempre ameaçador, agressivo, cheio das gírias... se via que ele não convivia com crianças da sua idade... A pele sempre encardida, as roupas sujas, gastas, sempre de um número maior que o dele. Esse era o Daniel, vivia como um cachorro abandonado...
Ele entrou nessa história porque no dia em que a comunidade acordou com um corpo jogado em uma esquina, o Daniel chegou na escola com um par de tênis novos, muito maiores que os pés dele. Quando uma professora estranhou aquela situação e perguntou de onde ele havia tirado aqueles tênis esquisitos, ele respondeu tranquilamente que tinha sido daquele cadáver.

E assim segue a educação nas comunidades periféricas do Brasil, entre cadernos e cadáveres, canetas e armas... antes de terminar aquele ano, o Daniel tentou sair empurrando minha moto pelo portão da escola, os funcionários que viram o pararam. Até onde ele iria? Não sei... admito que fiquei um pouquinho feliz quando aquele ano acabou.