Era uma tarde
chuvosa, daquelas que você tem vontade de fazer qualquer coisa,
menos sair de casa. Mas, apesar de tudo, estava na sala de aula com
os alunos. Não lembro que assunto era, só lembro quando um som de
paneladas e gritos chamaram nossa atenção e fomos todos para a
janela. Não, não. Não eram as panelas do Moinhos de Vento, se você
quer saber, bairro nobre de Porto Alegre, bastião da “luta”
contra a corrupção no Brasil, onde madames e mauricinhos brincavam
de “Anos Rebeldes”. Quem produzia o som que nos chamou a atenção,
era um grupo pequeno de moradores de uma área ocupada, perto da
escola. Lugar de moradia de muitos alunos.
Perguntei se os
alunos sabiam o que estava acontecendo.
– Vão tirar a
“invasão” de lá, sôr! Vão expulsá todo mundo! – Me
respondeu um aluno.
– Mora algum
colega de vocês? – foi minha pergunta seguinte.
– Ih, mora
“força” de nêgo daqui do colégio, sôr! Dessa turma aqui, mora
o Binho!
Reparei que o
Binho não tinha aparecido na aula naquele dia, quem sabe estivesse
lá, junto com a família, lutando para que sua casa não fosse
demolida. Ficamos observando a movimentação, o grupo subia por uma
rua e desaparecia entre as casas. Na certa, tentavam chegar nas
avenidas principais do bairro, para tentar fazer seu problema ser
conhecido por todos. Os alunos me relataram que o despejo estava para
acontecer na próxima semana.
E assim, foi. No
dia marcado, caminhões de mudança, oficiais de justiça,
helicóptero, ambulâncias e forte aparato policial tomaram o bairro.
Eram dezenas de policiais, os mesmos que nunca estavam lá para
impedir um tiroteio ou um assassinato. Não tive coragem de ir até
lá para encarar a tristeza na cara das pessoas que perdiam suas
casas (se é possível chamar assim os barracos em que viviam).
Alguns colegas foram lá para ver o que podiam fazer, encontrar algum
aluno, dar alguma palavra de consolo... Há muito pouco a se fazer
nessas horas. Muitas famílias não tinham para onde ir, não sabiam
o que fazer. Algumas iam para casa de parentes, no bairro mesmo ou em
outro.
Como resultado, aqueles alunos que ali viviam e que já não tinham muita organização para a vida escolar, um lugar para guardar suas
coisas ou estudar, ficaram numa situação pior ainda, mais relapsos
e menos frequentes nas aulas. Este é o drama habitacional
brasileiro, que governo algum conseguiu eliminar e que afeta
diretamente a educação daquelas crianças que não possuem uma
moradia fixa e adequada.
Naquele dia, eu
decidi que o Binho e os demais alunos que ali viviam, não seriam
cobrados como os demais na minha disciplina. Não avisei isso a eles.
O que você faria? Eu não vou reter um aluno na minha disciplina se
ele nem ao menos vai ter uma casa, com um quarto, com uma
escrivaninha, com um computador, enfim... para se recuperar comigo.
Essa conta não é só minha, é de todo mundo.
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