Já
falei sobre o Wendel em outro post (clique aqui), mas agora quero me
deter um pouco mais nele, nunca vi outro igual. Sofria de um grave
problema de saúde que atrofiou seu crescimento, de modo que ele já
tinha 16 anos quando o conheci, mas sua aparência era de 11 anos de
idade. Baixinho, corpo franzino, parecia um boneco de marionete. Tudo
nele inspirava fragilidade. Apesar disso os demais o tratavam com
reverência, ainda não estou bem certo do motivo disso.
Se
notava nos antebraços e canelas algumas tatuagens, daquelas verdes,
bem toscas. Tinha as clássicas que todos os meninos de vila fazem,
um diamante, o nome da mãe e um palhaço. Havia outras ainda, mas
não lembro. Esses são alguns dos elementos que diferenciam os
garotos. Uns fazem essas tatuagens por “zoeira”, já outros
dominam esses códigos, e isso os aproxima ainda mais. Wendel,
pequenino, se destacava em meio aos outros grandões. Eu notava, que
ele dominava uma conversação entre eles, os demais o escutavam,
riam de suas piadas sujas... o respeitavam.
Na
sala de aula era um problema. Ele também tinha uma dificuldade tremenda
para ler e escrever. Era tão difícil que ele nem tentava mais, o
caderno permanecia na mochila, o tempo todo da aula. Mas o celular,
carregado de músicas de funk e imagens de cadáveres e execuções,
estava sempre à mão. Nunca soube o que fazer para que o conteúdo
de geografia o interessasse, mas uma vez ele me deu uma luz.
Durante
uma aula, ele e o Maurilio (já falei dele, clique aqui) conversavam
e riam no fundo da sala. Decidi pedir para que o Wendel contasse
alguma história engraçada para a turma, todos queriam rir também.
Então, ele resolveu criar alguma coisa de improviso:
–
Sabe professor... uma vez, o prefeito dos Estados Unidos me chamou
para uma missão espacial... (eu já comecei a rir) Só que eu não
fui, porque não tinha roupa de astronauta do meu tamanho!
Todos
riram, e ele contou outras histórias, entre elas a que o pai dele
era veterano de guerra, defendera Marte na “Star Wars”. Eram
coisas sem sentido, que faziam todos rir por sua maneira de falar.
Então,
depois desse dia, achei que tinha captado a mensagem. “Vou falar de
astronomia com o Wendel”. Trouxe um vídeo sobre colonização em
Marte. Ele e o Maurilio gostaram, mas o resto da turma, não muito.
Então tentei trazer atividades, livros, folhinhas, etc. para
trabalhar só com os dois. Mas era difícil, eles não eram
disciplinados para trabalharem sozinhos, quando deixava eles, para
atender outros alunos, logo se distraiam com outras coisas. Era bem
difícil.
No
fim do ano, conheci a mãe do Wendel, e eu julgava que ele nem
tivesse uma. Ela recebeu a avaliação dele, havia sido aprovado em
condições especiais, e ouviu o que os professores tinham a falar
sobre ele. Doeu bastante ver a desesperança no rosto dela, que se
justificava falando que trabalhava o dia todo e não conseguia educar
nem o Wendel, nem os irmãos dele. É muito ruim não poder dizer
alguma coisa reconfortante para uma pessoa desolada e eu, de fato,
não tinha nada de bom pra falar sobre o Wendel, fora que ele contava
histórias engraçadas.
No
fim, depois de tanto pensar em algo positivo para dizer, vi que ela
usava uma blusinha com uma frase em inglês: “Never give up!” Lhe
disse o que significava, ela abaixou o rosto e começou a rolar
lágrimas de seus olhos.
Hoje
eu não sei como está essa família. Espero que nunca desistam de
lutar.
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